terça-feira, 3 de novembro de 2009

Checkpoint Charlie, Real Madrid, Milan e 28 centavos.


Estava com a câmera na mão, de frente ao casebre no Checkpoint Charlie, captando imagens pro meu projeto-documentário gonzolóide, que nem sei quando vai decolar, mas uma coisa me distraía, poluía a mente, nessa manhã de terça-feira.
Não, não era o clássico na Champions League que viria à noite, entre Milan e Real Madrid.
Não era a poesia brutal que a história não cansa de declamar àqueles que se deleitam com Berlim, ali mesmo, representada por trechos do muro que dividiam a cidade, pelo casebre que eu filmava (uma cópia do abrigo dos soldados americanos que ficavam na fronteira com Berlim Oriental), um dos marcos históricos da cidade de Berlim, o famoso Checkpoint Charlie.
Não.
O que me distraía, naquele momento em que me vestia com a pele de artista, de videomaker (vagabundo é a PQP, já cantaram os membros do Casseta e Planeta), em que me encontrava introspectivo e sensível, ora, era um refrigerante de vinte e oito centavos.
Cola com Laranja.

Comparemos Checkpoint Charlie, e a gasosa Freeway MixxMax Cola&Orange, que me distraía, me poluía a mente:

Checkpoint Charlie

Um símbolo da guerra-fria, foi a partir dele que o muro começou a ser literalmente desenhado.
Pintado, mesmo. Hagen Koch, um guarda de fronteira baseado no Checkpoint Charlie, recebeu ordens para pintar ali, no meio da rua mesmo, uma linha que delimitasse, separasse visualmente o setor soviético do americano. Capitalismo e comunismo, leste e oeste se confrontavam físicamente então.
Era através do Checkpoint Charlie que os estrangeiros- e os membros das Forças Armadas- deveriam cruzar, para entrar e sair de Berlim Oriental.

Localizado na parte norte do hoje sofisticado pós-punk artístico-turco e infestado de novos imigrantes (eu por exemplo) bairro de Kreuzberg, faço frequentemente a distância de casa até Checkpoint C ("C" é Charlie no alfabeto fonético da OTAN, daí Checkpoint Charlie) em oito minutos.

Nem sempre pra visitá-lo. Checkpoint Charlie, além de ser bem perto de onde moro, é mais próximo ainda do LIDL.
Pra quem não conhece, apesar do nome chique, Lidl é uma rede de supermercados na Europa pra gente com pouca grana, ou pra pão-duro que não liga em economizar até na sacola de compra.
Viajando no tempo, e colocando a Berlim contemporânea na época do muro, o Lidl estaria no lado ocidental. Interessante, pois o público-alvo do Lidl seria o morador da Alemanha Oriental, com menos recursos, etc.
O lado ocidental de Berlim (e da Alemanha) era amplamente subsidiado pelas potências do ocidente que a administravam (Inglaterra, EUA e França). A Alemanha Oriental tinha que pagar por todos os seus reparos, portanto a diferença dos padrões de vida era muito óbvia. Antes da construção do muro, quem decidisse partir pro lado ocidental, o lado mais próspero da cidade, bem, só precisava atravessar a rua. E isso acontecia demais, já que a mão de obra especializada daqueles que viviam no lado comunista era sempre bem vinda (e bem paga) por instituições ocidentais, fossem essas comerciais, industriais, de ensino etc.
As linhas divisórias, antes do muro, eram imaginárias, e não físicas. E os alemães orientais (e não apenas aqueles que habitavam em Berlim) utilizavam a sua capital como ponto de travessia ao ocidente. Mais de dois milhões e meio de alemães orientais fugiram pro oeste, e a maioria desses através de Berlim, de 1949 até 1961.
13 de agosto de 1961 (um domingo) mudou isso, e acabou com essa evasão de moradores do lado oriental pro ocidental. Pontos de travessia (os checkpoints) foram escolhidos e construídos- para o lado de Berlim administrado pelos soviéticos, os checkpoints funcionavam como ponto de travessia de fronteira internacional (a turma comunista passaria pela imigração, pela alfândega, se quisesse ir pro Lidl, no setor americano, comprar Freeway MixxMax, por 28 centavos).
Diríamos que o Lidl do Checkpoint Charlie ficaria mais vazio.

Freeway MixxMax
Gasosa de vinte e oito centavos (gasosa, no sul do Brasil, se utiliza para todo e qualquer refrigerante de marca não famosa), uma mistura de Cola com Laranja.
Apesar do preço baixo, contém os mesmos nutrientes saudáveis básicos recomendados por todo e qualquer nutricionista que são encontrados nos refrigerantes mais caros, de marca.
Eu até listaria abaixo os nutrientes saudáveis, mas como o texto já está longo, deixo para uma outra ocasião.

Sabendo que terça seria uma noite meio inútil pra captar imagens noturnas (previsão de chuvas), resolvi investir um dinheiro pra ter uma janta mais sofisticada, no meu sofisticado apartamento semi-vazio, no sofisticado pós-punk american-sector blábláblá de Kreuzberg, já que passaria na TV o clássico Milan-Real Madrid pela Champions League.
O que jantar?
Ora, um produtor/diretor/editor/baterista/professor/escritor/artista desempregado (em todos os seus talentos), deve ser sempre orientado pelo seu budget (que chique usar budget ao invés de orçamento... influências de Kreuzberg), ou seja, hora de Checkpoint Charlie (traduzindo: Lidl).

Perfeito. Nem precisei comprar nada além do bizarro refrigerante Freeway MixxMax (pôxa, eu vou contatar a empresa pra entrar como patrocinadora do meu documentário...), pois no caminho de ida decidi que uma bacia de pipoca saciaria o Demônio da Tasmânia dentro do meu estômago. E pipoca, eu tenho de montão em casa (os supermercados turcos vendem um quilo de pipoca por um euro).
Caso contrário, poderia degelar um Arroz-Metal esquecido no freezer, e maquiar o tradicional sabor de borracha com pedaços de salsicha turca halal (carne dirigida ao público muçulmano de Kreuzberg, e baratiiinha), e mostarda alemã (uau, como transformar um Arroz-Metal em Arroz-Death Metal, taí um assunto prum texto futuro).
Bom, tirando o primeiro tempo do jogo, quando aconteceram os dois gols da partida (gol de Benzema pro Real, gol de pênalti fabulosamente cobrado por Ronaldinho Gaúcho pro Milan), diria que o investimento feito foi à altura da partida.
Por favor, peço aos milanistas e madridistas que não me crucifiquem. Financeiramente, investi vinte e oito centavos de euro. Mas o passeio atravessando o rio Spree, pela Lindenstraße, passando de frente do belo Museu Judaico de Berlim (com o novo anexo desenhado por Daniel Libeskind), e a tradicional visita ao Checkpoint Charlie (carregando compra e tudo- um litro e meio de gasosa), bem, devem ter sido da altura do clássico.
Lembro até que todo esse passeio foi feito dentro do pós-punk e sofisticado Kreuzberg.
Eu (e essa é a beleza de um texto em primeira pessoa) nem assistiria o jogo.
Mas estava com fome.
E o jogo me pareceu morno, chato até. É que eu tentava me concentrar, mas uma coisa me distraía, me poluía a cabeça.
Cola com laranja...
Putz, cabe até uma musiquinha...

3 comentários:

  1. Diogão, eu so muito vadio pra essas coisas de textos grandes, passou de 3 linhas eu nem leio. Mas como o texto é seu, eu, acredite, li o texto inteiro, e de tão concentrado que eu estava, nem ouvi a minha "host grandmother" me chamar pelo telefone pra descer comer algumas frutas, que depois ela subiu brava e perguntando por que eu nao tinha respondido ela haha. Texto mto bom Diogão, espero que de tudo certo pra você, abraçao!

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  2. Querido GÁSlhanone!!
    Cuidado com essas misturas de Orange& Coke com pipoca turca, pois podem ter consequencias piores que Fanta Uva com pão árabe.
    Tem muito artista nesse mundão que se entope de farinha pra dizer um monte de besteira que lhe vem à cabeça e outros bundões o aplaudem e o chamam de gênio.
    Você faz tudo de coração e sem artifícios (Freway MixxMax?) e está conquistando seu espaço por mérito próprio.
    Que Allah permita que seu sucesso chegue logo e tê dê o retorno de todo seu investimento de vida e que você comece a usufruir de seus lucros.
    Um grande, saudoso, apertado e demorado abraço, do teu amigo, teu irmão, Roberfield.

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  3. DIOGAOOOO...
    brother estou te acompanhando aqui!
    vamos ter q marcar outras aventuras por aí...
    espere que em FEV estou por perto
    saludi
    lorenzettOOOO

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